quarta-feira, dezembro 02, 2009

Macabismos

A vida havia deixado-a assim, distante de qualquer desejo. No fundo, talvez ainda soubesse acreditar... Tanto trouxa que era, insistia em ultrapassar a barreira do palpitável para desaprender... desaprender que o sonho não era só sonho, mas que podia um dia acontecer.
Era coitada e sempre se fodeu. Feia, gorda e tinha espinhas. Não era nerd, não fez o curso que queria, nunca passou de ano fácil. Era boba, desengonçada, não tinha amigos e nunca havia tido um amor correpondido, exceto aquele materno - que, num caminho inverso, tornou-se platônico quando ainda tinha apenas quatro anos.
Vida macabéa que vivia, contava as horas simplesmente para saber o que ia acontecer no dia seguinte - mesmo tendo a certeza de que seria sempre o mesmo, o lugar-comum.
Cansada de viver na merda, matou-se.
Se jogou na linha do trem do metrô Sé. Foi tão burra que chegou ao hospital com vida - posto que, ao invés de se arremessar no começo da plataforma, optou pelo meio, onde tinha mais gente, o que poderia parecer um tanto mais confortante para o momento.


A única diferença que fez na vida dos outros foi quando morreu, como uma típica Macabéa dos nossos dias: atrasando a vida dos passageiros.
E, por fim, como toda boa personagem lascada e fodida, deixou uma lição de coragem: desistiu daquela que já havia, há muito tempo, desistido dela - a (bem mais que severina) vida.